O filme e a entrevista de hoje trazem uma pequena parte da experiência que
só as boas salas de cineclube podem proporcionar, trata-se da oportunidade
de assistir um filme e poder tecer uma conversa apaixonada sobre logo depois,
ainda mais se pudermos falar com xs realizadorxs.
Além de comentar sobre como se enlaçam sutilmente as tramas do filme, a banda também fala sobre o resultado, sobre o que ficou de fora, de como isso mudou e de como essa mudança pareceu se esvair por meios de cabos e satélites, abrindo outras perspectivas. Mas, não fica por aí. Vieram também as notícias, e das boas, entre lives e voos no Espaço Nave, em breve teremos show da Caburé Canela no Festival Barbada e também um novo CD. Confiram.
Muito interessante o roteiro, a fotografia e a trilha do Andanças
Sonoras, começa com relatos da banda, imagens da estrada e abre sutilmente para
mais imagens e entrevistas, sempre com um ruído ao fundo, vocês podem nos falar
um pouco de como foi a construção do filme?
Essas andanças sonoras podem ser divididas em duas partes. A
primeira deu conta do itinerário traçado para o projeto contemplado pelo
PROMIC, compreendendo apresentações em espaços públicos e ocupações culturais
de São Paulo, Assis, Presidente Prudente e Londrina. Para essa etapa, tivemos a
colaboração da Carolina Spisla e da Natália Lima Castro na captação das
imagens, e também do Leon Gregório, filmando o show de lançamento da turnê na
Concha Acústica, que contou com a participação das bandas Maracajá e Abacate
Contemporâneo. A segunda parte da turnê, quando rumamos para o sul do Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul, foi agregada ao projeto depois e, como não
tínhamos recurso para levar a Caruh ou a Natalia com a gente, as capturas e
entrevistas foram feitas por nós mesmos, a maior parte talvez pela Carolina
Sanches.
Quando voltamos de viagem, jogamos o cartão de memória nas mãos da Caruh Spisla e deixamos ela se divertir. Na verdade, não tínhamos roteiro algum. Acredito que esse roteiro começou a se desenhar a partir do momento que a Caruh nos entregou o primeiro corte. Aí começamos a discutir e tentar entender o que queríamos dizer, em contraste com o olhar da diretora sobre as imagens que recolhemos e seu entendimento da nossa história e, ainda, com uma tentativa de projetar o que seria interessante para o público tirar disso tudo. Creio que nunca chegamos a elaborar um roteiro no sentido estrito, mas discutimos bastante, a Caruh foi bem sensível e bem paciente, fazendo e refazendo a narrativa a cada devolutiva nossa. No fim, todxs ficamos felizes demais com o resultado, ainda que com o olhar suspeito de quem viveu aqueles momentos e tem uma conexão afetiva com a história contada. Acho que a parte mais difícil é tentar se colocar no lugar do público e imaginar de que modo aquilo pode estabelecer uma conexão afetiva com elx também.
O filme fala de encontros potentes e experiências, tem algo
que ficou de fora e que vocês gostariam de comentar sobre essa viagem e como isso
mudou a banda depois?
Bom, com certeza muita coisa ficou de fora, mas é que nem
tudo a gente pode sair contando assim por aí, né? Mas, foram muitos encontros e
trocas incríveis, com pessoas e coletivos inspiradores demais. Espero que
tenhamos dado conta de agradecer minimamente a todo mundo que tornou essa
viagem, em vários sentidos, possível. O Tico, sempre fortalecendo no som, O
Leon Gregório, todxs xs trabalhadorxs e militantes da arte que trombamos pelos
caminhos, a Cláudia Sperb e todas as pessoas que acolheram a gente em suas
casas, apês ou ateliês, as vezes até sem nos conhecer direito pra que
tivéssemos condições de esticar um pouquinho mais nossa caminhada, todas as
pessoas que já trabalharam com a gente, nem sempre em momentos que tivéssemos
como retribuir, os públicos, todo mundo que nos apoiou de uma forma ou de
outra, esteve presente nessa andança.
Sobre como essa viagem transformou a banda... é estranho
responder essa pergunta agora, porque todas as transformações que a gente
buscou e encontrou naquele momento iam no sentido de ampliar e aprofundar
conexões entre as pessoas. Mas, não o tipo de conectividade ao qual estamos
restritos hoje, através de cabos e satélites, mas uma conectividade carnal,
conectando experiências reais de ocupações e gestões culturais independente,
experiências musicais diferentes, paisagens e territórios diferentes, buscando
conectar o nosso som com o corpo das pessoas: não é o tipo de compartilhamento
que se consegue pelo Spotify, que já está aí pra qualquer um no mundo que
queira ouvir. Mas, é um compartilhamento de frequências que só é possível num
espaço físico, com pessoas presentes. Estávamos só começando a botar as asinhas
pra fora do ninho. E voltamos tão inquietos dessas experiências que logo boa
parte da Caburé se juntou com pessoas da banda Maracajá, da Família Estranha, e
outros parceiros na época, para construir o coletivo Espaço Nave, um coletivo
de produção e multiplicação artística de gestão cultural anarquista e
independente, acredito que muito por inspiração do que vivemos em uma espécie
de residência artística na Casa de Cultura Vaca Profana, em Passo Fundo (um
beijo pra Mariene Jornada!) Agora, creio que compartilhamos com a maioria dxs
trabalhadorxs do mundo, essa sensação de que o chão foi arrancado debaixo dos
nossos pés... e então, como caminhamos?
Nesse contexto de pandemia, como vocês tem conseguido se
manter ativos? Se tem? E o que podemos esperar da Caburé Canela, quais os
próximos planos da banda?
Depois de alguns meses isolados, decidimos correr o risco de
voltarmos a nos encontrar pra ensaiar e produzir. As lives têm sido um caminho
a ser explorado, mas ainda estamos entendendo o que significa mediar a
experiência estética através desse suporte. Também ainda não existe uma cultura
de consumo desse tipo de experiência, o que torna muito incerta a possibilidade
de se viver disso, como vivíamos dos shows presencias. Falando nisso, teremos a
felicidade de integrar a programação do Festival Barbada, onde faremos uma
apresentação ao vivo (transmitida online) no dia 22 de agosto. Existem ainda
alguns editais de festivais online e de produção de conteúdo pra internet, mas
tudo ainda muito incipiente e, como dissemos, navegando num mar que ainda não é
seguro para nós. Além disso, nós estamos com um projeto aprovado pelo PROMIC
para a gravação do nosso segundo Álbum, que a princípio seria gravado no
estúdio ForestLab, em Petrópolis RJ, e contaria também com apresentações de
lançamento em vários bairros de Londrina em parceria com as Batalha de Rima e
com o projeto Colorindo Vidas do Vista Bela. Ainda estamos estudando como
realizaremos as adaptações necessárias para que o projeto possa ser realizado
com segurança, sendo o mais fiel possível ao objetivo original: gravar um
material de qualidade que capte o espírito sonoro e poético da banda, e
aprofundar nossa conexão com outros públicos da cidade. Mas já podemos adiantar
que estamos trabalhando a todo o vapor na concepção e nos arranjos desse novo
disco, e torcemos demais pra que logo menos a gente possa compartilhar o
resultado com vocês, do jeito que deve ser, bem aglomeradinho!
Algo a acrescentar?
Andanças sonoras é um mini-doc sobre a turnê "Cabra Cega", da banda Caburé Canela, realizada entre novembro 2018 e janeiro de 2019. Direção: Carolina Spisla.
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